quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

CREED (2015) de Ryan Coogler


Creed O Legado de Rocky Michael B. Jordan


Quem diria que em 2015, um dos mais infelizes vencedores do Óscar de Melhor Filme na história dos galardões, Rocky, teria direito a uma sequela, na verdade um reboot, que conseguiria, não só, superar o original, como ofuscar todas as sequelas anteriores e tal modo que todos os filmes sobre o célebre pugilista de Filadélfia a parecem melhorar em retrospetiva? Certamente eu não seria a pessoa a afirmar tal coisa. Mas o facto de que, Creed é um dos melhores filmes americanos de 2015 e, certamente, o melhor filme de todo este franchise.

O filme desenvolve-se à volta de Adonis (Michael B. Jordan) o filho ilegítimo de Apollo Creed que, depois de ter sido criado no privilégio disponibilizado pela mulher de Apollo (Phylicia Rashad) que lhe serviu de mãe adotiva, vai para Filadélfia com o intuito de seguir as pisadas do pai, tornando-se um lutador profissional. Nessa cidade, ele tenta convencer o lendário Rocky Balboa (Sylvester Stallone) a treiná-lo, ao mesmo tempo que vai iniciando uma relação amorosa com a sua vizinha, Bianca (Tessa Thompson), e se vai tentando afirmar sem usar o nome do pai. Eventualmente, como seria de esperar, o jovem protagonista começa a alcançar sucesso e Rocky acaba por se tornar numa inseparável figura paternal, sendo que o filme culmina numa épica luta em que Adonis é o esperançoso underdog face ao campeão do mundo.


Creed O Legado de Rocky Michael B. Jordan


O guião é dissimuladamente simples, copiando muitos dos pontos temáticos dos filmes anteriores, ao mesmo tempo que desenvolve uma perspetiva fascinante sobre a relação de uma nova geração com o legado do passado. As lendas do passado e a realidade do presente apresentam-se como forças em constante conflito e paradoxal harmonia, revelando uma complexidade temática e uma maturidade e inteligência surpreendentes. Em Creed o futuro e construído sob o passado que é respeitado, emulado, mas que é eventualmente superado ou reinterpretado. Esta abordagem multifacetada é sublime na sua sagacidade e é genialmente desenvolvida em imagens tão potentes como a do jovem Adonis a treinar em frente a uma projeção do seu pai a lutar contra Rocky, em que o protagonista parece lutar com a lenda passada de seu progenitor ao mesmo tempo que desenvolve o seu legado pessoal sob as costas da herança de Apollo Creed.

Esta relação do presente com o passado nunca é melhor espelhada que na cansada figura de Rocky, magistralmente interpretada por Sylvester Stallone. Se me dissessem que eu estaria a defender Stallone como a melhor escolha de entre os possíveis candidatos ao Óscar de Melhor Ator Secundário eu ter-vos-ia acusado de abjeta loucura. Eu teria estado completamente errado.


Creed O Legado de Rocky Michael B. Jordan Sylvester Stallone


Rocky é um mamute vivo, um fóssil que ainda respira e vibra com uma cansada vitalidade. Ele é um homem que perdeu as pessoas mais importantes na sua vida e que, na sua velhice, parece estar desgastado pelo simples ato de continuar a viver, não fosse a luminosa presença de Adonis, que força este herói a regressar às suas glórias e a lutar pela sua existência, contra a doença, contra o desgaste do tempo e contra a inevitabilidade da sua irrelevância no panorama da atualidade. Aquando de uma coleção de intensas confrontações entre o jovem lutador e o seu mentor, Stallone demonstra uma subtileza emocional mais poderosa que qualquer outro trabalho na filmografia do ator, cuja própria linguagem corporal enquanto Rocky Balboa demonstra a formidável força do seu físico passado obscurecida pelo implacável peso dos anos, da idade e da fatiga.

A acompanhar o glorioso trabalho de Stallone está um maravilhoso elenco, liderado pelo carismático Michael B. Jordan, um ator tão formidável na sua musculosa fisicalidade como na sua poderosa vulnerabilidade. Também Tessa Thompson é de destacar, pegando num papel que poderia ser facilmente unidimensional ou simplesmente funcional e tornando-o numa palpável presença humana.


Creed O Legado de Rocky Michael B. Jordan Tessa Thompson


Com uma matura e energética abordagem da parte de Ryan Coogler, um guião surpreendentemente complexo e um formidável elenco, Creed já seria um legítimo sucesso cinematográfico, mas o filme não se fica por aí. Dos seus aspetos técnicos, a música é de particular magnificência. Ludwig Göransson compõe uma poderosa banda-sonora, onde o tema principal pulsa com uma maravilhosa intensidade, construindo uma identidade sonora para Adonis tão memorável como o tema que Bill Conti escreveu para o Rocky original. A música de Conti chega mesmo a marcar a sua presença num dos momentos mais intensos do clímax, naquele que é a mais gloriosa e inteligente utilização de música no cinema de 2015.

A banda-sonora é um perfeito acompanhante da montagem, sendo que estes aspetos conferem ao filme um preciso e dinâmico ritmo, que vai modulando as tonalidades do filme, nunca descurando ora nas partes mais emocionais e pausadas ora nos momentos mais épicos e gritantes. As lutas em que Adonis participam são o ponto alto para a montagem e para a brilhante fotografia de Creed, quer seja a magistral luta filmada num ensandecido plano sequência ou a operática luta final. Esse derradeiro conflito é uma sequência de pura glória do cinema americano de 2015, construindo uma complicada, mas eficiente, mistura de ritmos díspares, tensão arrebatadora e uma comovente empatia para com ambos os oponentes e as personagens que os apoiam e observam.


Creed O Legado de Rocky Ryan Coogler



Creed é um dos mais surpreendentes triunfos do ano, sendo uma obra que não deveria ser subestimada pelo seu apelo populista ou seu estatuto como mais uma sequela na máquina de infinita e doentia reciclagem de ideias que é a Hollywood contemporânea. Coogler, Jordan, Thompson, e outros, provam-se aqui como vozes essenciais para o futuro do cinema de Hollywood, e as lendas do passado como Stallone, demonstram como ainda nos conseguem surpreender e revelar uma genialidade usualmente ignorada no seu trabalho. 

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