quinta-feira, 26 de novembro de 2015

STEVE JOBS (2015) de Danny Boyle

Steve Jobs Michael Fassbender

 É difícil refletir sobre Steve Jobs, o mais recente filme de Danny Boyle, sem irremediavelmente cair numa comparação com The Social Network. Ambos os filmes partilham o mesmo argumentista e, ao contrário do filme de David Fincher, Steve Jobs é uma obra totalmente dependente da voz autoral de Aaron Sorkin. E é nesse completo domínio que Sorkin tem sobre o filme que esta obra se depara com os seus mais colossais problemas.

  No entanto, há que elogiar Aaron Sorkin pela generalidade do seu guião. A estrutura de Steve Jobs é uma obra de ostentosa genialidade, construindo um retrato do lendário fundador da Apple em volta de três longas sequências, todas elas focadas nos minutos que antecedem a apresentação pública de um novo produto. Primeiro o Macintosh em 1984, depois o Next em 1988, aquando da separação de Jobs da Apple, e finalmente o do iMac em 1999. Ao longo deste drama de bastidores, duas correntes narrativas parecem desenhar os contornos da visão de Sorkin sobre Jobs. A arrogância megalómana do protagonista em relação aos vários colaboradores que, de algum modo, o menosprezam ou duvidam da sua visão, e a relação de Jobs com a sua filha Lisa.

  A acompanhar esta brilhante estrutura, cuja teatralidade é apenas exacerbada pela constante presença de palcos e bastidores, está uma coleção das mais reconhecíveis características da obra de Sorkin enquanto argumentista de cinema. Longos diálogos floreados, cheios de humor inteligente, e irritantemente cientes da sua própria espetacularidade; discursos feitos pelo protagonista masculino que demonstram e defendem a sua superioridade; e um toque de perversivo conservadorismo moral que depressa cai em melodrama sentimentalista. Estas características não são necessariamente defeitos, mas sem um realizador que esteja disposto a moldar e catalisar o texto de Sorkin, Steve Jobs acaba por se tornar um exemplo perfeito das maiores problemáticas no estilo usual dos textos deste célebre autor.

  A narrativa do filme propõe-se a retratar e a criticar a lendária figura de Steve Jobs, concretizando uma visão que tanto disseca a humanidade imperfeita do homem como a sua genialidade, mas Steve Jobs não tem uma ponta da sofisticação e complexidade que The Social Network conseguiu alcançar. Como um filme, Steve Jobs comete o mesmo erro fulcral do seu protagonista, que é o de veementemente acreditar na sua grandiosidade e importância, negando qualquer outro tipo de visão contraditória. Não estou a dizer que Jobs não foi um génio, mas o que vemos neste filme, apesar de uma estrutura invulgar, é o mesmo tipo de retrato superficial e vazio que tantos outros filmes biográficos apresentam. Sorkin nunca desvia o seu retrato de uma visão limitada do arquétipo do génio arrogante e incompreendido, forçando a sentimentalidade da narrativa paternal como modo de humanizar, como que por uma formula, a sua figura central. Sorkin cria mais uma narrativa do anti-herói popular na ficção contemporânea, e imensamente vazia, apesar de ilusoriamente sugerir alguma complexidade.

 Apesar do que tenho afirmado, Danny Boyle tenta acrescentar algo de cinemático ao texto de Sorkin, conseguindo nunca perder a energia ao mesmo tempo que demonstra algumas ideias formais com interesse. O uso da música e da fotografia para diferenciar os três atos da narrativa é de particular genialidade, mas, como no resto do filme, apenas a superfície consegue alcançar algo de genuinamente louvável. Flashbacks, montagens de transição e ridículas projeções, demonstram a usual indisciplina do realizador, que nunca parece muito interessado em juntar-se a Sorkin na dissecação das suas personagens, estando contente com a simples ilustração. Para ser mais claro, volto a lembrar The Social Network, em que a frieza, distância e sofisticação de David Fincher mitigaram os maiores problemas do estilo de Sorkin. Fincher evitou o melodrama e chegou à melancolia de ares subtilmente trágicos, pegou no diálogo e mecanizou-o, retirando a teatralidade inerente nos discursos grandiosos, e acrescentou ainda mais complexidade à narrativa ao abordar todos os acontecimentos com uma surpreendente frieza, que contrapunha as noções de importância pessoal das suas arrogantes personagens.

 Mas isto não é um texto de celebração do trabalho de David Fincher, mas sim uma análise de Steve Jobs e, por muito que o filme seja problemático como uma narrativa, ou como um estudo de personagem, na condição de exercício para os seus atores, Steve Jobs é um triunfo. Kate Winslet é o claro elo mais forte do elenco, apesar de um inconsistente sotaque, mas todos estão de parabéns, sendo que Seth Rogen e Jeff Daniels não eram tão impressionantes há anos. A única interpretação que provoca algum desapontamento é, curiosamente, a de Michael Fassbender. A sua presença é de um carisma supremo e os seus diálogos de uma precisão admirável, não fosse ele um dos melhores atores do cinema atual, mas, no final, a sua interpretação é tão prisioneira da superficialidade do guião como o resto do filme. Jobs nunca me pareceu ser um ser humano, ou uma personagem complexa, mas sim um arquétipo sem subtilezas, sendo que nem mesmo o ator consegue esconder quão forçados no filme são os últimos momentos entre Jobs e sua filha.

  Numa cena, Steve Jobs explica a Lisa o significado da palavra anomalia e eu recordei-me de outro filme deste ano em que um protagonista semelhante teve de explicar o mesmo a outra mulher chamada Lisa. Tal como em Anomalisa, a incapacidade do protagonista se relacionar normalmente com os seres humanos à sua volta é um foco do filme, e tal como nessa obra de Charlie Kaufman, Steve Jobs peca pelo modo como cai na arrogância e noção se superioridade da sua figura central. Ambos os filmes almejam a uma complexidade humana que nunca conseguem alcançar, ambos se revelando como primorosos exercícios técnicos, cheios de aspetos louváveis e performances pulsantes, mas onde por detrás da respeitável e grandiosa superfície apenas existe um triste vazio de ideias e nuance.

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